17 Outubro 2019
Grandes cardeais. O Papa Francisco proclamou santo o prelado e teólogo inglês que, de padre anglicano, tornou-se padre católico e foi finalmente elevado a cardeal com o título de San Giorgio em Velabro. Hoje na praça de São Pedro o papa Francisco proclamará santo um dos pensadores ingleses mais significativos do século XIX, cuja influência ainda transita pela teologia contemporânea. Trata-se de John Henry Newman, nascido em Londres em 1801 e falecido em Birmingham em 1890, após uma vida marcada por várias reviravoltas. Aos 15 anos, ele teve uma virada religiosa que o levou a Oxford para seus estudos filosófico-teológicos e para sua ordenação como Ministro da Igreja da Inglaterra aos 24 anos. Inquieto dentro dessa comunidade de pessoas respeitáveis - como ele próprio confessaria - se engajou com uma obra de renovação de tal instituição, apoiando o chamado "movimento de Oxford", que queria voltar às fontes originais da fé anglicana, olhando ecumenicamente a Igreja Católica, que o atraia por ser uma comunidade mais de pecadores que de conformistas, ainda segundo com suas palavras.
O comentário é do cardeal italiano Gianfranco Ravasi, prefeito do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado em Il Sole 24 Ore, 13-10-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ferozmente criticado pela hierarquia acadêmica e episcopal anglicana, depois de uma crise atormentada, ele decidiu dar um salto de fronteira, na época escandaloso: em 1845 ele se tornou católico, dois anos depois foi ordenado sacerdote e entrou no Oratório de San Filippo Neri, uma congregação religiosa italiana, marcada por esse santo livre e atuante. Sobre ele recaíram os raios do establishment inglês, tanto que foi obrigado a compor uma Apologia pro vita sua, que, no entanto, se transformou em uma intensa autobiografia espiritual. Sua vida, porém, teria um choque ainda mais forte: em 1879, o papa Leão XIII o nomeou - ele, um ex-sacerdote anglicano - cardeal da Santa Igreja Romana, designando-lhe, como é típico de todo cardeal que se torna membro do clero de Roma, um "título", ou seja, uma específica igreja romana. A ele foi designada a admirável basílica de San Giorgio in Velabro, ao lado do Arco de Janus, perto do Capitólio: para muitos romanos, é a memória do local do próprio casamento segundo um costume que ainda persiste hoje; para mim, é um vínculo extraordinário com o novo santo e grande intelectual, atualmente sendo eu o cardeal titular desse templo.
É necessário lançar agora uma olhada em sua bibliografia, uma empreitada árdua, se considerarmos que a edição original da Opera omnia, iniciada quando ele ainda estava vivo em Londres (1878), terminaria em 1921 com 40 volumes. Muitos dos textos de Newman seriam traduzidos para o italiano pela editora Jaca Book e pela Morcelliana. Vamos apontar apenas alguns escritos particularmente relevantes que deixaram um rastro marcante na reflexão filosófico-teológica. O primeiro é o que é considerado sua obra-prima, a Gramática do assentimento (o original em inglês de 1870 tinha um título mais modesto: Essay in aid of a Grammar of Assent). É uma análise muito refinada e articulada do ato de fé, porém colocada dentro do dinamismo do pensamento e do espírito. Uma grande parte desse mapa da crença é reservada para o escrutínio das estruturas do "assentimento real" incondicionado exigido pela fé em comparação com as exigências da demonstrabilidade científica. É interessante a reconstrução da polimorfia gnosiológica que caracteriza o nosso conhecer que é exercido de acordo com uma série de percursos, motivo pelo qual não podemos nos entrincheirar no único caminho rigidamente racional. A fé e o teste de demonstração estão em uma relação recíproca de condicionamento. É um léxico original que exige um exercício estrito de leitura: por exemplo, o real assent, pleno assentimento, baseia-se na aprehension, a compreensão, mas também na inference que é um ir além, precisamente uma "ilação" que não exclui a imaginação, assim não apenas praticamos um epistème, um conhecimento lógico-formal, mas também uma phrónesis que é simbólico-existencial.
Por essa razão, até mesmo a pessoa "não instruída" e simples (isto é, não dotada de repertório filosófico e teológico) pode ser a sede de um conhecimento autêntico de fé, com seu próprio caminho e seu organon investigandi. É, portanto, sugestiva a primazia que ele atribuiu à consciência pessoal como "o primeiro vigário de Cristo", colocada ao lado com o outro vigário de Cristo, o papa, expressão da doutrina teológica geral. Mesmo na simplificação de nossa síntese, fica evidente o desejo de Newman de interagir com a cultura moderna, inclusive porque ele trabalhou por muito tempo, como já dissemos, no horizonte acadêmico de Oxford.
A partir desse contexto, extraímos a segunda obra que desejamos evocar. Trata-se da Idea of a University, nove palestras realizadas em 1852 em Dublin como fundador e reitor da Universidade Católica da Irlanda. Nessas intervenções, configura-se o perfil da instrução superior destinada não apenas a oferecer uma capacidade operacional, mas sobretudo a formar a pessoa em sua plenitude, a criar o que Newman define de verdadeiro gentleman. Nessa perspectiva, retorna o tema da polivalência do conhecimento que adota métodos diferentes, mas complementares, incluindo por isso a teologia. Aliás, o programa ideal da universidade deve envolver todas as dimensões da experiência humana, também do ponto de vista ético: não é apenas um "instruir", isto é, induzir dados e competências, mas também "educar", extrair as potencialidades da pessoa humana, amputando suas degenerações. Como ele já havia enfatizado no âmbito eclesial, o futuro santo não hesitava em marcar o protagonismo do laicato cristão, evitando delegar tudo à hierarquia eclesiástica.
Uma nota final. Newman também foi poeta, não tão destacado, mas em suas aproximadamente duzentas composições, uma dezena brilha pela autenticidade. É o caso da mais famosa, The pillar of the cloud (O pilar da nuvem, um símbolo do êxodo bíblico. Nas Bocas de Bonifácio, entre a Sardenha e a Córsega, a embarcação em que Newman viajava foi atingida por uma tempestade. Sob aquele céu escuro e ameaçador, ele se entregou à escrita de uma oração em verso, que mais tarde se tornou famosa por seu incipit: "Lead, kindly Light” (Guia-me, amável luz). Repropomos esse começo pelo valor simbólico que também desempenha ao retratar a busca humana e espiritual de Newman: "Guia-me, amável Luz, entre a escuridão que me rodeia. Guia-me! A noite está escura e eu estou longe de casa. Guia-me! Cuida de meus passos; não posso ver a paisagem distante. Um passo é o suficiente para mim.”
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John Henry Newman entre ciência e consciência - Instituto Humanitas Unisinos - IHU